segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O uso do vinho na Escritura

A Bíblia recomenda o vinho em certas ocasiões
Apesar de suas múltiplas advertências acerca dos perigos do vinho, a bebida não está proibida na Bíblia em termos absolutos, e de fato se recomenda e é aceita em algumas ocasiões. As ofertas de vinho acompanhavam muitos os sacrifícios do Antigo Testamento (Êx 29:40; Nm 15:5; 28:7). É provável que se mantivesse uma provisão de vinho no templo para tal finalidade. O salmista falou sobre “o vinho que alegra o coração do homem” (Sl 104:15), e o escritor de Provérbios aconselhou: “daí bebida forte ao desfalecido, e vinho aos amargurados de espírito” (Pv 31:6). Ao falar do exuberante convite da salvação que Deus faz a todos em sua graça, Isaías declarou: “a todos os sedentos: vinde às águas; e os que não tem dinheiro, vinde, comprai e comei. Vinde, comprai sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Is 55:1).
Paulo aconselhou a Timóteo: “não bebas somente água, mas use um pouco de vinho, por causa de teu estomago, e de tuas freqüentes enfermidades” (1 Tm 5:23). O primeiro milagre de Jesus foi transformar água em vinho durante um banquete nas bodas de Caná (Jo 2:6-10). Também falou em termos favoráveis acerca do vinho na parábola do bom samaritano, quem colocou óleo e vinho nas feridas do homem que encontrou maltratado à beira do caminho (Lc 10:34).
Como muitas outras coisas, a espécie de vinho de que se fala nas Escrituras tem a potencialidade tanto para o mal, como para o bem. Creio que houve um tempo em que o suco da uva, em semelhança a todas demais coisas criadas por Deus, somente era bom, e não tinha possibilidades latentes de gerar maldade. A fermentação que é uma forma de decomposição, por isto, é muito provável que se tornou possível pela corrupção geral da natureza a partir da queda, e de fato começou com a vasta mudança no meio ambiente que culminou no dilúvio, e a remoção da camada de vapor que rodeava o globo terrestre, e protegia dos raios diretos do sol. Não é errado crer que no reino milenar o processo será revertido quando a maldição for levantada totalmente e a natureza for restaurada ao seu estado original de bondade e perfeição.
À luz do fato de que a Bíblia faz tantas advertências acerca do consumo do vinho, todavia, não o proíbe, mas o recomenda sob certas circunstâncias, como pode um crente saber o que deve fazer? Na seqüência apresento oito sugestões em forma de perguntas, e que ao respondê-las com honestidade à luz das Escrituras, nos servirão de abordagens úteis para se discutir o assunto.

O vinho de hoje é igual ao dos tempos bíblicos?
A nossa primeira tarefa para responder esta pergunta é determinar com exatidão a que classe de vinho se faz referência na Bíblia, e a segunda é determinar como se compara esse vinho com o que se produz e consome na atualidade. Muitos cristãos sinceros e reverentes à Bíblia justificam o seu consumo de vinho baseados no argumento de que era uma prática aceitável tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. Todavia, se a espécie de vinho usado naquela época era diferente do que é usado hoje, então a aplicação do ensino bíblico do vinho também será diferente.
Uma classe de vinho chamado sikera em grego (veja em Lc 1:15), e shêkar em hebraico (veja em Pv 20:1; Is 5:1) se traduz em geral por “sidra” ou bebida forte, por causa do seu elevado conteúdo alcoólico e a subseqüente intoxicação rápida de quem a consumia.
Uma segunda classe de vinho era chamada gleukos (do qual se deriva o termo glicose) e aludia ao vinho novo que era bastante doce. Alguns dos espectadores no Pentecostes acusaram os apóstolos de estarem embriagados com esta espécie de vinho (At 2:13). A palavra hebraica correspondente é tirôsh (veja Pv 3:10; Os 9:2; Jl 1:10). Sendo que o suco recém exprimido da uva ou de uma outra fruta, fermentava com rapidez e poderia ocasionar a embriaguez, mesmo que sem completar o processo de fermentação, pois em geral misturava-se com água antes de ser ingerido.
Todavia, uma terceira espécie de vinho é mencionada com maior freqüência em ambos os testamentos. A palavra hebraica para este vinho é yayin, que tem em sua raiz o significado de borbulhar, espumar ou ferver. A figura de bolhas não tinha nada a ver com o vinho servido com o fervor do suco fresco da uva para reduzi-lo a um xarope denso e até mesmo a uma pasta condensada e apta para ser conservada sem estragar-se. Devido ao processo de fervura que retira a maior parte da água e mata toda a bactéria, o suco em seu estado concentrado não se fermentava. O vinho yayin se refere com maior freqüência a doses pequenas desse xarope ou pasta mesclada com água para a preparação de bebidas instantâneas (Sl 75:8; Pv 23:30). Inclusive quando se permitia que a mistura reconstituída se fermentasse, o seu conteúdo de álcool era bastante baixo.
A palavra mais comum no grego do Novo Testamento para esta terceira espécie de vinho é oinos, e em seu sentido mais geral se refere simplesmente ao suco da uva. Qualquer fonte judia exata indica que o yayin, que é um vinho misturado, que no grego é chamado oinos, não se refere tanto a um licor obtido pela fermentação, mas com maior freqüência a um xarope grosso, ou geléia não embriagante e produzida com o suco fervido para o seu armazenamento. Na ilustração que Jesus fez de se colocar vinho novo (oinos e não gleukos) somente em odres novos, é possível que se refira que desta maneira o vinho e os odres “fossem conservados juntos”, evitando a fermentação e também a sua perda por derramamento (Mt 9:17).
A prática de reduzir o suco fresco de uva a um xarope pelo fervor, ou evaporação era de ampla difusão no antigo oriente, assim como nas culturas grega e romana daquele tempo, e não é pouco comum na Palestina, Síria, Jordânia e Líbano em nossos dias. Ademais, o diluir para o consumo como bebida, o xarope espesso era usado para adoçar, dar sabor as comidas e para untar em pães e bolos como uma geléia. Tanto o xarope como a maior parte das bebidas produzidas a partir dele eram por completo livres de todo efeito embriagante.
A Mishná Judaica, que é a antiga coleção escrita de interpretações orais da lei mosaica que antecederam ao Talmud, declara que os judeus utilizavam com certa regularidade o vinho fervido, ou seja, o suco de uva reduzido a uma consistência grossa mediante a ação do calor. Quando Aristóteles descreveu o vinho de Arcádia disse que era tão espesso que era necessário raspar as garrafas de couro em que estavam armazenadas, e depois diluir estes pedaços em água para fazer uma bebida. O historiador romano Plínio se referiu, com freqüência, a um tipo de vinho não embriagante. O poeta romano Horácio escreveu em 35 a.C. que “aqui as pessoas ingerem múltiplos copos de vinho sem embriagar-se”. No nono livro de sua obra Odisséia, Homero narra que Ulisses colocou em sua embarcação uma bolsa de couro carregada dum vinho doce e negro, que era necessário diluir com vinte partes de água antes de ser bebido. No ano 60 d.C. o biógrafo grego Plutarco fez este comentário “o vinho não inflama o cérebro, nem afeta a mente e as paixões, e é muito mais agradável ao paladar.”
Num artigo da revista Christianity Today (20 de Junho de 1975) Robert Stein explica que os antigos gregos guardavam o vinho não fervido, nem misturado e por esta razão sem elevado conteúdo de álcool, em grandes jarros chamados ânforas. Antes de beber esse vinho serviam-no em vasilhas menores chamadas cráteras e o diluíam com água em proporção máxima de vinte por um. Somente assim colocava-se o vinho em copos em que se ingeria a bebida. A esta forma diluída se aludia comumente com a palavra vinho (oinos), mas, ao líquido não diluído denominavam de kratesteron, ou “vinho não misturado” a esta espécie de vinho que não se diluía com água numa vasilha e que entorpecia os sentidos. Ainda entre os pagãos civilizados, o consumo de vinho sem mistura, era considerado um ato de tolice e barbárie. O senhor Stein citando a Menesiteo de Atenas diz que
os deuses revelaram o vinho aos mortais como a maior benção para aqueles que o usam como é devido, mas para quem o utilizam sem medida, lhes tem efeito contrário. Concede sustento os que o tomam com cautela, assim como fortaleza em mente e corpo. Na medicina oferece muitos benefícios; pode-se mistura-lo com líquidos e drogas para trazer alívio e restituição aos feridos. No transcurso da vida diária, a quem o mistura e bebe com moderação dá bom ânimo; mas, se ultrapassar acima dos limites trás consigo violência. Se o mistura pela metade trás como resultado a demência; se não se mistura, a conseqüência é a destruição.

Num antigo livreto chamado A tradição apostólica, aprendemos que a igreja primitiva seguia o costume de usar somente esta classe de vinho misturado, mesmo que fosse a partir de um xarope, ou do suco recém exprimido.
O vinho fermentado por meios naturais tem um conteúdo alcoólico de nove a onze por cento. Para que uma bebida alcoólica como o conhaque tenha um conteúdo mais elevado, deve-se fortificar por meios artificiais como a múltipla destilação do vinho já fermentado. Então, o vinho não misturado dos antigos tinha um conteúdo alcoólico máximo de onze por cento. Mesmo que mesclado pela metade (uma mistura que segundo Menesiteo gerava demência), o vinho teria um conteúdo máximo de álcool de cinco por cento. Sendo que o vinho mais forte que se bebia normalmente era mesclado pelo menos em três partes de água por uma de vinho, o seu conteúdo alcoólico estaria numa categoria não superior a 2.25-2.75 por cento, muito abaixo a 3.2 por cento, o que é considerado atualmente como o parâmetro para classificar uma bebida como alcoólica.
Portanto, é claro que quer seja o yayin ou o oinos mencionados na Bíblia correspondem ao xarope espesso, a uma mescla de água e xarope, ou a uma mistura de água e vinho puro, neste caso o vinho era não embriagante, pois possuía um baixo teor alcoólico. Sendo assim, para que se embriagasse com vinho (oinos) naquele tempo era necessário ingerir uma grande quantidade, como sugere outras passagens do Novo Testamento. A expressão “dado ao vinho” (1 Tm 3:3; Tt 1:7) é a tradução de uma palavra grega (paroinos) cujo significado literal é “colocar-se em, ou ao lado do vinho”; alude a idéia de sentar-se ao lado de um recipiente cheio de vinho durante um longo período de tempo.
A resposta à primeira pergunta é redundante não. O vinho dos tempos bíblicos não era igual ao vinho não mesclado de nossa época. Até os pagãos mais civilizados dos tempos bíblicos consideravam a ingestão dos vinhos modernos como atos bárbaros e irresponsáveis.

É necessário?
A segunda pergunta que nos ajuda a determinar se um crente deveria ou não tomar vinho na atualidade é a seguinte: “é necessário que eu tome vinho”? Nos tempos bíblicos, como acontece em muitas partes do mundo ainda hoje, a água potável apta para o consumo humano era muito escassa, ou não estava disponível, então, a bebida mais segura era o vinho, e o vinho com certo conteúdo alcoólico era em especial seguro devido ao efeito anticéptico do álcool. De fato, ele servia para purificar a água.
Por outro lado, é difícil crer que o vinho transformado por Jesus de forma miraculosa no banquete das bodas de Caná, ou o que serviu na santa Ceia instituída por Ele, e em outras ocasiões fora fermentado. Como é possível que Ele servisse algo que tivesse sequer a potencialidade de embriagar uma pessoa? Quando Ele fez o vinho em Caná, primeiro disse aos serventes que enchessem as talhas com água, como que demonstrando que o vinho que iria criar era mesclado. Os convidados da boda comentaram sobre a elevada qualidade do vinho (Jo 2:10), e sendo que o chamaram oinos, é óbvio que se tratava da bebida suave que estavam acostumados a fazer o acréscimo de água a um xarope fervido da uva.
Ainda que as circunstâncias requeressem com freqüência, ou o fazia aconselhável o consumo do vinho, esta bebida preferida nos tempos bíblicos tinha pouco ou carecia por completo de algum conteúdo de álcool. Portanto, os crentes atualmente não podem apelar para a prática bíblica para justificar o seu consumo de vinho ou de outras bebidas similares, sendo que hoje em dia existem incontáveis alternativas de baixo custo. Hoje em dia ingerir bebidas alcoólicas não é parte necessária do sustento, nem da vida cotidiana, e na maior parte dos casos simplesmente é um assunto de preferência pessoal.
Tão pouco a bebida é necessária para evitar ofender ou envergonhar os amigos, os conhecidos, ou pessoas de negócios. O testemunho de um cristão algumas vezes é percebido por poucos, e pode implicar um preço a pagar na sociedade atual, mas a maioria das pessoas está inclinada a respeitar a nossa abstinência quando se faz por motivos de convicção honesta, e não quando se faz alarde dela como auto-justificação pessoal, ou juízo sobre os demais. É mais provável que o argumento de não querer ofender a outros se baseie num interesses egoístas, em nossa própria imagem e popularidade, do que numa preocupação genuína pelos sentimentos e bem estar dos demais. Alguns consideram que a bebida é necessária em alguns casos para poder estabelecer uma relação com uma pessoa não salva a fim de que chegue a ter fé para a salvação. Não obstante, tal visão de evangelismo é uma falha miserável em entender a obra soberana de Deus, e o poder do evangelho independente por completo de qualquer subterfúgio humano.

É a melhor opção?
Sendo que beber vinho é algo que não se pode proibir de maneira específica e total nas Escrituras, e como não é uma necessidade para os crentes na maior parte do mundo, o seu consumo é uma questão pessoal. A seguinte pergunta é então: por acaso é a melhor opção?
Ao longo da história do povo de Deus, Ele fixou normas elevadas para quem exerce posições de grande responsabilidade. Durante o sistema dos sacrifícios instituído sob a liderança de Moisés, e descrito em Lv 4-5, era requerido que a pessoa comum desse uma ovelha, ou uma cabra como oferta de expiação pelo pecado ou duas rolas ou pombinhos (5:7), ou estivesse incluso uma oferta de farina (5:11), se não possuísse os meios suficientes. Por outro lado, um líder do povo deveria oferecer um cabrito, e a congregação como um todo, ou o sumo sacerdote deveria oferecer um bezerro.
Aarão e todos os sumos sacerdotes que lhe sucederam também tinham que viver conforme as normas pessoais mais elevadas. A eles foi ordenado: “tu, e teus filhos contigo, não bebereis vinho, nem bebida forte quando entrares no tabernáculo da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será para vossas gerações” (Lv 10:9). Devido a que o sumo sacerdote era chamado aparte para exercer um oficio de maior importância, também era chamado a um compromisso superior com Deus, e a um tipo de vida mais elevada. Bem que a restrição quanto à bebida se limitava a sua vida como um todo, ou somente o tempo em que estava prestando o seu serviço designado no tabernáculo, ou no templo, o seu ministério para o Senhor deveria caracterizar-se pela abstinência total de bebidas alcoólicas. As suas mentes e corpos deveriam ser claros, puros e sempre funcionar bem quando ministravam no nome do Senhor. Não se poderia correr nenhum risco de desonra moral ou espiritual no ministério sagrado.
A mesma norma elevada se aplicava aos governantes de Israel. “Não é próprio dos reis, ó Lemuel, não é próprio dos reis de Israel beber vinho, nem dos príncipes, desejar vinho forte. Para que não bebam, e se esqueçam da lei, e pervertam o direito de todos os aflitos” (Pv 31:4-5). O seu juízo não deveria nublar-se sequer pela quantidade mínima de álcool encontrado no vinho (yayin), muito menos pela de uma bebida forte como a sidra (shêkar). A sidra somente seria dada “ao amargurado de espírito” como um sedativo para a sua dor ou agonia (31:6). Qualquer outro uso dela não era aceitável. O vinho misturado normal poderia ser dado para alegrar “aos de ânimo amargurado. Bebam, e esqueçam de suas necessidades, e de sua miséria não se recordem mais” (31:6-7). Ao contrário, os sacerdotes e os governantes do povo não deveriam tomar yayin nem shêkar.
Qualquer pessoa em Israel poderia tomar a decisão de consagrar-se para Deus de uma maneira pessoal fazendo o voto de nazireu. “O homem, ou mulher que fizer voto especial, o voto de nazireu, a fim de consagrar-se para o SENHOR, abster-se-á de vinho e de bebida forte; não beberá vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte, nem tomará beberagens de uvas, nem comerá uvas frescas nem secas. Todos os dias do seu nazireado não comerá de cousa alguma que se faz da vinha, desde as sementes até às cascas” (Nm 6:2-4). Um nazireu também fazia o voto de não cortar o cabelo, nem de contaminar-se ritualmente por contato com um cadáver, todo o período que o seu voto estivesse em rigor (6:5-7).
O nome nazireu vem do termo hebraico nâzir que significa “separado ou consagrado”. Tal separação era voluntária e poderia durar de trinta dias até toda uma vida. Todo o período que esta pessoa, fosse homem ou mulher, se apartasse dessa forma a fim de render um serviço especial ao Senhor, a sua vida deveria distinguir-se pela estrita pureza, inclusive da abstenção de qualquer coisa relacionada minuciosamente com a bebida. Em certo sentido, o nazireu se elevava ao mesmo nível que o governante e o sumo sacerdote por seu ato de consagração e separação voluntária e especial.
A Bíblia somente menciona três homens que foram nazireus durante toda a sua vida: Sansão, Samuel e João Batista. Todos eles foram separados como nazireus antes de nascer; Samuel pela sua mãe (1 Sm 1:11), e Sansão e João Batista pelo próprio Senhor (Jz 13:3-5; Lc 1:15). As mães de Sansão e de Samuel também se abstiveram do vinho e da sidra (Jz 13:4; 1 Sm 1:15), no caso da mãe de Sansão por mandamento direto do anjo.
Embora ignoremos os seus nomes, muitos outros nazireus viveram em Israel e serviram ao Senhor por meio de suas vidas e de sua consagração especial (veja Lm 4:7, é possível traduzir “nobres” por “nazireus”; Am 2:11). Irreverentemente, muitos deles foram corrompidos a força por seus compatriotas israelitas: “mas, vós destes de beber vinho aos nazireus” (Am 2:12; Lm 4:8). O mundo se ressente contra aqueles que mantêm elevadas normas de vida, e cujo exemplo é uma reprimenda contra a vergonhosa vida que levam. Em lugar de tratar de alcançar um nível mais elevado de vida para si, as pessoas que são mundanas e carnais, incluídos os cristãos mundanos e carnais, se esforçam em rebaixar e em corromper a quem vive com pureza para que caiam em seu nível de corrupção.
No tempo de Jeremias todos os membros do clã dos recabitas fizeram o voto de não beber vinho, e permaneceram neste voto. Por causa de sua fidelidade, o Senhor mandou que Jeremias os apresentassem ao povo como o exemplo a ser seguido, e norma da vida justa, em contraste com a infidelidade e corrupção do restante de Judá, sobre os quais estava a ponto de trazer juízo (Jr 35:1-19).
O nazireu mais destacado foi João Batista, de quem Jesus disse: “de certo vos digo: entre os nascidos de mulher, não se levantou outro maior do que João Batista” (Mt 11:11). Antes que João Batista nascesse, o anjo disse sobre ele: “será grande diante de Deus. Não beberá vinho [oinos], nem sidra [sikera], e será cheio do Espírito Santo, ainda desde o ventre de sua mãe” (Lc 1:15).
Todavia, continuando Jesus disse acerca de João Batista que “o menor no reino dos céus, será maior do que ele” (Mt 11:11). Todo crente, em Jesus Cristo, está no mesmo nível espiritual de um sumo sacerdote, um governador, ou um nazireu. Cristo nos ama, e por isso “nos lavou de nossos pecados com o seu sangue, e nos fez reis e sacerdotes para Deus, o Pai” (Ap 1:5-6). Os cristãos são “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pe 2:9, veja verso 5). Todo cristão é separado para Deus de maneira especial, e cada cristão deve apartar-se de qualquer coisa impura (2 Co 6:17). “Assim que, amados”, continuou Paulo, “sendo que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda contaminação da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus” (7:1).
Deus deu normas aos santos do Novo Testamento, que são maiores do que João Batista, como Jesus disse. Tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento beber vinho, ou sidra desqualifica uma pessoa de exercer liderança entre o povo de Deus. Os líderes cristãos, semelhantemente aos do Antigo Testamento, são submetidos a normas elevadas e especiais. Os bispos que são o mesmo que presbíteros e pastores, não devem ser “dados ao vinho”, que como mencionei acima, é uma expressão que traduz uma só palavra (paroinos) e significa literalmente “colocar-se ao lado do vinho”. Um líder na igreja não deve nem sequer estar ao lado do vinho. A expressão “é necessário” (1 Tm 3:2) contém a partícula grega dei, e transmite o significado de necessidade lógica antes que exigência moral. Portanto, Paulo está dizendo que os líderes na igreja de Jesus Cristo não somente devem abster-se de bebidas alcoólicas, mas que por pura lógica e definição própria “é necessário” que não sejam “dados ao vinho” (3:2-3).
Tiago disse: “meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que receberemos maior condenação” (Tg 3:1), e Jesus disse: “a todo aquele que muito é dado, muito lhe será cobrado; e ao que muito se lhe confia, mais ainda se lhe exigirá” (Lc 12:48). Se os sumo sacerdotes, nazireus, reis, juizes e outros governantes do Antigo Testamento deviam manter-se sóbrios e com o juízo claro todo o tempo, é certo que o Senhor não fixará normas inferiores para os líderes da igreja, que no presente é o corpo encarnado no próprio Filho, Jesus Cristo. Para os diáconos, cuja responsabilidade é servir antes que exercer liderança, a norma é menos estrita. A eles lhes permite tomar vinho, mas não ser “dados”, de modo que se adicione, que deriva de uma diferente palavra grega (prosechontas) que significa “manter-se ocupado com”. Tal permissão de todas as maneiras proíbe a embriaguez, e reflete o lugar distinto do presbítero, pastor e bispo que deve evitar por completo qualquer possibilidade de que o seu pensamento seja nublado pela influência do álcool. Aqui o impulso da mensagem de Paulo parece ser que, devido à necessidade de ter mentes claras e um exemplo puro, os líderes que decidem na igreja devem manter as normas mais elevadas possíveis de conduta, inclusive a abstinência de toda bebida alcoólica, e que aos diáconos, que não desempenham papéis tão críticos, lhes é permitido tomar vinho com moderação.
O fato de que Paulo aconselhou a Timóteo: “não continue a beber somente água; use um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades” (1 Tm 5:23), indica que, de maneira conseqüente com a sua abstinência total pelo exercício da liderança, Timóteo não havia tomado uma só gota de vinho fermentado, antes da recomendação pessoal de Paulo para que usasse “de um pouco de vinho”, e que isto era com fins puramente medicinais. Todo crente deve apresentar o seu corpo “como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1), em consagração total a Ele.

Cria um hábito?
Em quarto lugar, uma área que os crentes devem considerar é o assunto da dependência. Muitas coisas se convertem em hábitos, e muitos dos hábitos que adquirimos são benéficos. Por outro lado, há muitos outros hábitos que são danosos e difíceis de abandonar.
O princípio de Paulo segundo o qual apesar de que todas as coisas lhe eram lícitas, ele não se deixaria dominar por nenhuma delas (1 Co 6:12), se aplica claramente ao perigo da dependência do álcool. O álcool produz com muita facilidade uma dependência severa e violenta. Ademais, dos efeitos diretos que obscurecem a capacidade mental e afetam as funções corporais, a própria dependência distrai a atenção e interfere no juízo e na prudência da pessoa adepta da bebida.
Um cristão não somente deve evitar o pecado, como também a potencialidade do pecado. Nunca deveríamos permitir que estivéssemos sob a influência, ou o sob a manipulação de ninguém, nem de nada que nos distancie das coisas de Deus, assim seja também nas mínimas coisas. A opção mais segura e sábia para o cristão é evitar a ínfima possibilidade de influência para o mal.
Inclusive, mesmo nos casos em que algo não crie em nós um hábito, deve ser evitado, se é possível induzir alguém que nos observa e segue o nosso exemplo. Sendo que o álcool é reconhecido em todo o mundo como altamente vicioso, um cristão que bebe cria de forma desnecessária possibilidades de gerar por influência a dependência do álcool em outra pessoa.

É potencialmente destrutivo?
Uma quinta consideração deveria ser a potencialidade destrutiva do álcool. O escritor pagão Menesiteo, citado anteriormente, falou do vinho misturado com a metade de água como causador de demência, e do vinho sem mistura como destrutivo da saúde corporal. A capacidade destrutiva do álcool tanto na escala mental, física e social está em demasiada evidência para se requerer aqui uma documentação adicional.
Mais de 40 por cento de todas as mortes violentas estão relacionadas com o consumo de álcool, e pelo menos 50 por cento de todas as vítimas fatais em acidentes de trânsito envolvem condutores com problemas de embriaguez. Calcula-se que pelo menos um quarto de todos os pacientes internados em hospitais psiquiátricos tem problemas procedentes do álcool. O consumo contínuo de álcool produz cirrose no fígado e incontáveis desordens físicas. Os problemas com o álcool custam milhões de dólares anualmente em perda de indenizações para empregados e patrões, em acertos de contas com companhias de seguros e em apólices mais caras para os seus clientes.
A embriaguez conduz de maneira inevitável ao esbanjamento ou dissolução. A palavra dissolução traduz-se de asôtia, que tem o significado literal de “aquele que é impossível salvar”. Usa-se para aludir a uma pessoa enferma e incurável, sem esperança alguma de recuperar-se, e também para falar de uma vida relaxada e licenciosa como a que decidiu levar o filho pródigo (Lc 15:13). Portanto, dissolição é uma forma de autodestruição.
Como foi mencionado num capítulo anterior, o Antigo Testamento apresenta muitos relatos vívidos sobre a estreita associação entre a bebida, e a imoralidade, a rebelião, o incesto, a desobediência aos pais e todo estilo de vida corrompida. A violência é uma acompanhante natural da corrupção (Pv 4:17) e “o vinho é escarnecedor, a sidra estonteante” (20:1).
O profeta Joel exclamou: “ébrios, despertai e chorai; gemei, todos os que bebeis vinho, por causa do mosto, porque está ele tirado da vossa boca” (Jl 1:5). Mais adiante em sua mensagem diz: “lançaram sortes o meu povo, e deram meninos por meretrizes, e venderam meninas por vinho, que beberam” (3:3). Habacuque advertiu: “ai daquele que dá de beber ao seu companheiro, misturando à bebida o seu furor, e que o embebeda para lhe contemplar a sua nudez! Serás farto de opróbrio em vez de honra; bebe tu também e exibe a tua incircuncisão; chegará a tua vez de tomares o cálice da mão direita do SENHOR, e vômito cairá sobre a tua glória (Hc 2:15-16).
O cristão deve perguntar-se se é sábio e prudente que participe de algo que tem tanta potencialidade para destruição e pecado.

É ofensivo a outros cristãos?
Falando acerca da comida aos ídolos, Paulo disse: “pois, acerca da comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo, de si mesmo, nada é no mundo e que não senão um só Deus (...) entretanto, não há esse conhecimento em todos; porque alguns, por efeito da familiaridade até agora com ídolo, ainda comem dessas coisas como a ele sacrificadas; e a consciência destes, por ser fraca, vem a contaminar-se. Não é comida que nos recomendará a Deus, pois nada perderemos, se não comermos, e nada ganharemos, se comermos. Vede, porém, que esta vossa liberdade não venha, de modo algum, a ser tropeço para os fracos (...) e assim, por causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu” (1 Co 8:4, 7-9, 11).
Um cristão que por si mesmo é perfeitamente capaz de beber com moderação, não está na capacidade de garantir que o seu exemplo não ocasione que um irmão cristão mais fraco trate de beber e caia no vício. Não apenas isto, mas que da mesma forma que aconteceu no tempo de Paulo, alguém que tivesse sido um ébrio antes e se converte num cristão, associa muitas atividades imorais e corruptas com a bebida, e o simples fato de ver um outro cristão bebendo constitui uma ofensa para a sua consciência. A nossa liberdade em Cristo chega até onde começa a fazer dano em outro, e em especial aos irmãos da fé. Não temos direito algum de fazer, simplesmente por seguirmos as nossas preferências em comidas e bebidas “se perda aquele por quem Cristo morreu” (Rm 14:15). Nem sequer podemos ter a certeza absoluta de nossa própria capacidade para beber com moderação, e muito menos de que o nosso exemplo não fará que outros, incluindo os nossos filhos, bebam além dos limites da moderação. “Não destruas a obra de Deus por causa da comida. Todas as cousas, na verdade, são limpas, mas é mau para o homem o comer com escândalo. É bom não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra cousa com que teu irmão venha a tropeçar [se ofenda, ou se enfraqueça]” (14:20-21). A nossa liberdade em Cristo não deveria ser valorizada acima do bem-estar de nenhum irmão na fé. O que devemos fazer é tudo “o que contribua para a paz e para a mútua edificação” (14:19).

Prejudicará o meu testemunho cristão?
É impossível que o exercício da nossa liberdade, de uma maneira que possa prejudicar a um irmão em Cristo, melhore o nosso testemunho diante dos incrédulos. Pode ser que a bebida nos faça mais aceitáveis em alguns círculos sociais, mas a nossa falta de cuidado e interesse com os irmãos cristãos entre em detrimento de qualquer testemunho positivo que possamos dar. Também é um obstáculo para o nosso testemunho diante de muitos outros cristãos, que assim não estejam preocupados com a nossa influência, em sua própria maneira de viver para o Senhor, de todo modo, se preocuparia com a maneira como poderia ser uma influência danosa para outros cristãos.
O princípio que Paulo deu aos crentes de Corinto indica que o melhor testemunho é recusar o convite de um anfitrião pagão a fim de não ofender a um irmão: “se algum dentre os incrédulos vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que for posto diante de vós, sem nada perguntardes por motivo de consciência. Porém, se alguém vos disser: isto é cousa sacrificada a ídolo, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro. Pois por que há de ser julgada a minha liberdade pela consciência alheia?” (1 Co 10:27-29). O testemunho é mais efetivo se o anfitrião pagão pode ver o quanto amamos ao nosso irmão na fé, e como nos preocupamos pelo seu bem-estar.
“Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rm 14:7-8). Assim, tudo o que um cristão é e tem é do Senhor, o apóstolo também disse: “portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus. Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem tampouco para a igreja de Deus, assim como também eu procuro, em tudo, ser agradável a todos, não buscando o meu próprio interesse, mas o de muitos, para que sejam salvos” (1 Co 10:31-33).
Se quisermos alcançar as pessoas que não são salvas e ao mesmo tempo dar um exemplo que anime a quem o é, não exerçamos a nossa liberdade para beber, ou fazer qualquer outra coisa que conduza em escandalizá-los, nem desvia-los em sua vida espiritual.

É correto?
À luz de todas as perguntas anteriores, o cristão deveria perguntar por último: é bom que eu tome bebida alcoólica?” Temos visto que a resposta a primeira pergunta é um redundante não: o vinho que se bebia nos tempos bíblicos não é o mesmo vinho que se ingere na atualidade. As respostas a segunda e terceira perguntas também são não para a maioria dos crentes na atualidade: em geral, não é necessário beber vinho, e em mui raras ocasiões é a melhor opção. A resposta as seguintes quatro perguntas é se proveitoso beber em alguma situação. Beber pode criar hábitos com grande potencialidade destrutiva, é muito provável que escandalize a outros cristãos e que prejudique o nosso testemunho diante dos incrédulos.
Um homem me disse em certa ocasião: “às vezes, tomo uma cerveja com os amigos. Há algum mal nisto?” Eu lhe respondi: “O que você pensa a respeito deste assunto?”. “Bom, pois eu penso que não há nada de mal, mas fico na dúvida.” “ Você gosta de ter dúvidas”, perguntei. “Não, não gosto,” disse-me. “Você sabe o que tem que fazer para acabar com esta dúvida, certo?, continuei; ele deu a resposta óbvia: “sim, deixar de beber”.
Paulo disse em termos explícitos: “o que duvida sobre o que come, é condenado, porque não o faz com fé; e todo o que não provém da fé, é pecado” (Rm 14:23). Mas, mesmo se crermos que algo não é pecaminoso em si mesmo, se não podemos fazê-lo com uma consciência completamente livre, pecamos porque o fazemos contra a nossa consciência. Ir contra a nossa consciência nos empurra para uma auto condenação, e a culpa imposta sobre nós. A consciência é um alarme dado por Deus para advertirmos sobre a presença do pecado, e sempre que formos contra ela a debilitamos e a fazemos menos sensível e menos confiável, ao ponto que nos adestramos a rejeitá-la. Ir contra a consciência de maneira contínua resultará em sufocá-la e deixá-la “cauterizada” como que com um ferro incandescente (1 Tm 4:2). Quando isto acontece, perdemos um agente muito poderoso que Deus nos deu para guiar-nos (1 Tm 1:5, 19).
Ao levantarmos estas perguntas acerca da bebida, a última e mais importante, é: posso fazê-lo diante dos outros e de Deus com fé e confiança total de que é o correto?




Extraído de John MacArthur Jr., Efésios – Comentário MacArthur del Nuevo Testamento (Grand Rapids, Editorial Portavoz, 2002), p. 290-300.

tradução livre:
Rev. Ewerton B. Tokashiki
prtokashiki@gmail.com
pastor da Igreja Presbiteriana de Porto Velho
prof. teologia sistemática no SPBC – Ji-Paraná/RO.

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